Amianto e competência legislativa concorrente - 15
O Plenário retomou o julgamento conjunto de ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra a Lei 11.643/2001 do Estado do Rio Grande do Sul, a Lei 12.684/2007 do Estado de São Paulo e a Lei 12.589/2004 do Estado de Pernambuco; bem assim de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) ajuizada em face da Lei 13.113/2001 e o Decreto 41.788/2002, ambos do Município de São Paulo. Os diplomas impugnados proíbem o uso, a comercialização e a produção de produtos à base de amianto/asbesto naquelas unidades federativas — Informativos 407, 686 e 848.
Em voto-vista, o ministro Dias Toffoli julgou improcedentes os pedidos formulados nas quatro demandas.
No que se refere à competência legislativa para normatizar a matéria, salientou a necessidade de busca, na Federação, de um ponto de estabilidade entre centralização e descentralização. Dessa forma, compete concorrentemente à União a edição de normas gerais e aos Estados-Membros suplementar a legislação federal no que couber (CF, art. 24, §§ 1º e 2º) (1). Somente na hipótese de inexistência de lei federal é que os Estados-Membros exercerão competência legislativa plena (CF, art. 24, § 3º) (1). Sobrevindo lei federal dispondo sobre normas gerais, a lei estadual terá sua eficácia suspensa naquilo que contrariar a federal (CF, art. 24, § 4º) (1). De igual modo, aos Municípios compete legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal ou estadual no que couber (CF, art. 30, I e II) (2).
Frisou ser imperativo que a competência concorrente exercida pela União englobe os interesses nacionais, que não podem ser limitados às fronteiras estaduais. Entretanto, a competência federal para editar normas gerais não permite que o ente central esgote toda a disciplina normativa, sem deixar competência substancial para o Estado-Membro. Isso significa, também, não se admitir que a legislação estadual possa adentrar a competência da União e disciplinar a matéria de forma contrária à norma geral federal.
No caso, a Lei 9.055/1995 admite, de modo restrito, o uso do amianto, de modo que a legislação local não poderia, em tese, proibi-lo totalmente. Porém, no momento atual, a legislação nacional sobre o tema não mais se compatibiliza com a Constituição, razão pela qual os Estados-Membros passaram a ter competência legislativa plena sobre a matéria até que sobrevenha eventual nova lei federal.
O processo de inconstitucionalização da Lei 9.055/1995 se operou em razão de mudança no substrato fático da norma. A discussão em torno da eventual necessidade de banimento do amianto é diferente da que havia quando da edição da norma geral. Se, antes, tinha-se notícia de possíveis danos à saúde e ao meio ambiente ocasionados pela utilização da substância, hoje há consenso em torno da natureza altamente cancerígena do mineral e da inviabilidade de seu uso de forma segura. Além disso, atualmente, o amianto pode ser substituído por outros materiais (fibras de PVA e PP), sem propriedade carcinogênica e recomendados pela Anvisa.
Portanto, revela-se a inconstitucionalidade material superveniente da Lei 9.055/1995, por ofensa ao direito à saúde (CF, arts. 6º e 196) (3), ao dever estatal de redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança (CF, art. 7º, XXII) (4), e à proteção do meio ambiente (CF, art. 225) (5).
Diante da invalidade da norma geral federal, os Estados-Membros passam a ter competência legislativa plena sobre a matéria, até sobrevinda eventual de nova legislação federal. Como as leis estaduais questionadas proíbem a utilização do amianto, elas não incidem no mesmo vício de inconstitucionalidade material da lei federal. No tocante à lei municipal em debate, ela proíbe o uso do amianto, em consonância com a lei estadual daquela unidade federativa e de acordo com a competência legislativa municipal para tratar do tema.
Assim, o ministro Dias Toffoli declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 9.055/1995 (6), bem assim a constitucionalidade formal e material das leis questionadas.
Em seguida, o julgamento foi suspenso.
(1) Constituição Federal/1988: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário”.
(2) Constituição Federal/1988: “Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber”.
(3) Constituição Federal/1988: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 196 A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
(4) Constituição Federal/1988: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.
(5) Constituição Federal/1988: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
(6) Lei 9.055/1995: “Art. 2º O asbesto/amianto da variedade crisotila (asbesto branco), do grupo dos minerais das serpentinas, e as demais fibras, naturais e artificiais de qualquer origem, utilizadas para o mesmo fim, serão extraídas, industrializadas, utilizadas e comercializadas em consonância com as disposições desta Lei”.
ADPF 109/SP, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 10.8.2017. (ADPF-109)
ADI 3356/PE, rel. Min. Eros Grau, julgamento em 10.8.2017. (ADI-3356)
ADI 3357/RS, rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 10.8.2017. (ADI-3357)
ADI 3937/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 10.8.2017. (ADI-3937)
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Decisão publicada no » Informativo 872 do STF - 2017
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